Disco é resultado de um processo de superação ao vício e a uma condição de saúde que quase interrompeu a carreira do músico; músico apresenta o álbum neste domingo, 15/9, às 15h, no Parque Lagoa do Nado, em show gratuito
A descoberta de um distúrbio neurológico que causa contração involuntária das mãos, chamado distonia focal, bem no auge de uma promissora carreira, levou o músico mineiro Pablo Dias a quase desistir de seu cavaquinho — por acreditar em dado momento que jamais poderia tocá-lo novamente. Vencedor do Prêmio BDMG Instrumental e figura conhecida da cena do choro e do samba em Belo Horizonte, o artista que tocou com nomes como Yamandu Costa e Moacyr Luz chegou até o fundo do poço após a descoberta da doença, mas desenvolveu uma técnica única para seguir fazer brilhar seu cavaco. E praticamente renasceu por causa da música.
Neste ano, ele lança seu primeiro álbum autoral, “Amanhecer”, que chega às plataformas digitais em outubro. O disco será apresentado ao vivo neste domingo, dia 15/9, no Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado, às 15h. A entrada é gratuita, sem retirada de ingressos. Inteiramente instrumental, o álbum expõe o talento de um artista em plena ascensão, reinventado pela própria força e por uma destreza musical elogiada na cena nacional, inclusive pela renomada cantora Mônica Salmaso.
Vício e superação
“Amanhecer” ganhou vida pelo esforço imenso de Pablo Dias e dos seus afetos próximos. Após descobrir a doença que afetou o movimento de suas mãos, aos 21 anos, o artista se deparou com o vício em cocaína, se afastou dos palcos, parou de compor e quase abdicou da música de vez.
“Eu me distanciei da música, me senti cada vez mais vazio, mas decidi ‘reiniciar’ toda a vivência passada, ou seja, largando todos os vícios, nascendo para novas perspectivas. Sem a minha família, minha mãe e minha filha, especialmente, esse processo não seria possível. E sem os músicos que estão comigo neste trabalho, também não”, diz Pablo.
Sóbrio há sete anos e decidido a não parar de compor, Pablo Dias não deixou que o distúrbio neurológico o impedisse de voltar aos palcos e estúdios. Para isso, o músico desenvolveu uma técnica de tocar com apenas dois dedos da mão esquerda — responsáveis pela harmonia, ao marcar as notas e acordes no braço do cavaquinho — e dois dedos da mão direita, que seguram a palheta e dão conta do ritmo. Essa formatação permite que ele consiga alcançar as melodias a partir de um suingue próprio e muito distinto.
“As músicas que compõem o disco ‘Amanhecer’ estão prontas já tem quase 10 anos, ainda que no formato de esboço. Trabalhei nelas agora, como forma de retornar à música, e todas foram gravadas com a minha doença, usando apenas dois dedos. A mecânica inteira das melodias são postas para tocar com dois dedos. Fui me adaptando aos poucos até perceber que eu conseguia tocar bem assim”, diz Pablo.
Gravações
“Amanhecer” foi inteiramente gravado como jam sessions entre amigos, no Estúdio Stereoutono, em Belo Horizonte, sob a batuta do músico e engenheiro de som Marcelinho Guerra, que trabalhou em gravações com Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Toninho Horta e Flávio Renegado. A banda é composta por uma seleção calibrada de multi-instrumentistas, todos artistas negros e em destaque na cena musical mineira e brasileira.
As baterias foram gravadas por Marcelo Dai, jovem cantor, compositor e multiinstrumentista belo-horizontino, que atuou como baterista em projetos de Liniker e Samuel Rosa. As guitarras foram registradas por Acauã Ranne, sobrinho do músico Sérgio Pererê, e bastante conhecido também por suas pesquisas relacionadas às percussões afro-brasileiras. O baixo ficou a cargo de Bruno, baixista da banda Graveola, pandeirista e produtor musical bastante requisitado na cena mineira.
Já as percussões foram conduzidas por Gilson Junio e Daniel Guedes, talentosos percussionistas da nova geração, que já dividiram palcos com artistas como Marcus Viana e Maurício Tizumba. Os batuques ainda têm a participação de Cícero Lucas, jovem artista mineiro protagonista do filme “Marte 1”, indicado pelo Brasil para disputar o Oscar 2023, e também nome conhecido nas rodas de samba de Belo Horizonte, sendo um dos músicos que acompanham a cantora Adriana Araújo.
“Eu resolvi fazer essa banda só com pessoas negras. Por que é o lugar de onde eu venho, eu quero esse balanço negro e essa identidade: pela cor que a gente tem, pelo o que a gente luta. E são todos músicos incríveis. Estou feliz em estar nessas companhias e por estar fazendo projetos tão fortes e importantes. Recentemente, fui convidado para gravar no CD do pianista Davi Fonseca, e a Mônica Salmaso também. E ela, uma das maiores cantoras do Brasil, disse que eu era genial. Esse elogio me lembrou do lugar que eu quero estar: fazendo música junto de tantos músicos e amigos geniais”, diz Pablo.
Sonoridades
O resultado do álbum é uma produção que coloca o cavaquinho como protagonista absoluto, mas não se resume a um gênero, nem ao choro ou ao samba — embora seja alicerçado, em certa medida, por esses ritmos tão familiares para Pablo Dias. Ainda assim, as músicas de “Amanhecer” carregam várias paisagens sonoras distintas, como se cada uma das dez faixas se desdobrasse em infinitos sub temas.
“A Volta”, que abre o disco, surge abarcada por um balanço sertanejo e por sons da natureza, fazendo o cavaquinho soar quase como uma viola caipira em um rincão interiorano do país. Até desaguar em um pouco de choro, de jazz e de brasilidades espertas, impressas também por solos de guitarras jazzísticas.
“Flor do Campo” carrega um tema solar, que aparece delicado e bucólico. E caminha para um arranjo marcado até por um pouco de rock n’ roll nas viradas de bateria e percussões intensas. Enquanto “O Silêncio do Timbre Inesperado” permite uma experimentação maior, com o cavaquinho soando por vezes como um bandolim, impulsionado por guitarradas e efeitos eletrônicos livres, “Alecrim” coloca na mesa as clássicas referências do samba, principalmente o samba-de-breque, flertando também com a alegria do samba de gafieira, a partir de uma linha de solos bem talhada do cavaquinho de Pablo Dias.
“O álbum ‘Amanhecer’ dança com tudo e vê alegria em tudo. Não é um disco dedicado propriamente a um ritmo. É uma produção dançante, para cima, muito influenciada por um certo balanço que foi construído junto com esses excelentes músicos que me acompanham. É uma obra, no fim das contas, miscigenada, assim como nós”, avalia Pablo.
Este projeto é realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.
Pablo Dias
Natural de Belo Horizonte, Pablo Dias é graduando em Composição pela UFMG. Iniciou sua carreira em 2007, apresentando-se em bares, casas noturnas, festas e centros culturais. No ano seguinte, venceu o Prêmio Jovem Instrumentista BDMG e abriu as portas para diversos trabalhos. Em sua trajetória, tocou ao lado de nomes como Yamandu Costa, Moacyr Luz, Paulinho Pedra Azul, Noca Portela, Wilson Moreira e Edu Krieger. Atualmente, na cena de samba de Belo Horizonte, o artista é diretor musical e integrante da banda Ô Sorte, além de participar dos grupos Choro Amoroso, Samba da Januário e Quarteto Fora da Curva, levando sua técnica elogiada por onde passa.
Pablo Dias apresenta “Amanhecer”
Quando. Domingo, 15/9, às 15h
Onde. Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado
(R. Hermenegildo de Barros, 904 – Itapoã)
Quanto. Entrada gratuita, sem retirada de ingressos
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