Espetáculo tem direção musical de Ligia Amadio, regente titular da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, e direção cênica da atriz e dramaturga Rita Clemente; participam também da montagem o Coral Lírico de Minas Gerais e a Cia de Dança Palácio das Artes
Baseada em “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, último conto de “Sagarana”, primeiro livro de Guimarães Rosa (1908-1967), a ópera “Matraga”é um “Faroeste Caboclo” e Guimarães Rosa, um “Dostoiévski do Sertão”. Vida e redenção, crime e castigo, o Bem e o Mal, a hora e a vez, morte e salvação de Augusto Matraga. Daí o renovado desafio da Fundação Clóvis Salgado de levar, ao cenário imaginário – o Grande Teatro Cemig Palácio das Artes –, este épico da literatura brasileira, moldado como ópera, a coleção de todas as artes.
Em três atos, “Matraga” tem libreto e música de Rufo Herrera. Participações dos corpos artísticos da Fundação Clóvis Salgado: Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (OSMG), Coral Lírico de Minas Gerais (CLMG) e Cia de Dança Palácio das Artes (CDPA). Grande elenco de solistas e a narração do ator Gilson de Barros, conhecido pela intimidade com a obra de Guimarães Rosa. No ano de 2023, a produção teve uma pré-estreia emocionante na Gruta do Maquiné, em Cordisburgo – terra do escritor –, e logo depois foi sucesso de público e crítica em Belo Horizonte, reunindo mais de 5 mil espectadores ao longo de quatro récitas no Palácio das Artes.
Em 2025, a ópera será apresentada nos dias 17/5 (sábado), às 19h, 18/5 (domingo), às 18h, e 19/5 (segunda-feira) e 20/5 (terça-feira), às 20h, novamente no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes. A direção musical e a regência ficam a cargo da titular da OSMG, Ligia Amadio. “Matraga”tem concepção e direção cênica da atriz e dramaturga Rita Clemente; assistência de direção de Ronaldo Zero; cenografia de Miriam Menezes; figurinos de Sayonara Lopes; iluminação de Gabriel Pederneiras; direção coreográfica de Alex Soares; preparação do Coral Lírico feita por Augusto Pimenta e André Brant; e direção-geral de Cláudia Malta.
A ópera “Matraga” é realizada pelo Ministério da Cultura, Governo de Minas Gerais, Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais e Fundação Clóvis Salgado. As atividades da Fundação Clóvis Salgado têm a Cemig como mantenedora, Patrocínio Master do Instituto Cultural Vale e Grupo FrediZak, Patrocínio Prime do Instituto Unimed-BH e da ArcelorMittal, Patrocínio da Vivo e correalização da APPA – Cultura & Patrimônio. O Palácio das Artes integra o Circuito Liberdade, que reúne 35 equipamentos com as mais variadas formas de manifestação de arte e cultura em transversalidade com o turismo. A ação é viabilizada por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Vale-Cultura. Governo Federal, Brasil: União e Reconstrução.
“A Hora e a Vez de Augusto Matraga” é o último e o mais emblemático conto de livro “Sagarana” (1946), onde o regional encontra o universal; onde as Minas Gerais, de Guimarães Rosa, encontram a Rússia de Dostoiévski.
Em Dostoiévski, a vida é o inferno, sempre depois de uma profunda reflexão filosófica da existência, da justiça, e da moral: “se as pessoas buscam o reino da justiça na Terra, o reino da razão, acabarão chegando à ruína, ao desumano, ao mundo opressor”. “No que diz respeito aos quatro principais romances de Dostoiévski – ‘Crime e castigo’ (1866), ‘O idiota’ (1869), ‘Os demônios’ (1872) e ‘Os irmãos Karamázov’ (1879) -, todos eles tratam da relação do ser humano com Deus”, destaca a professora de Literatura Russa da Universidade de São Paulo Elena Vássina.
Em uma carta ao tradutor de sua obra para o italiano, Edoardo Bizarri, em 1963, Guimarães Rosa confessa: “sou profundamente, essencialmente religioso. Daí todas as minhas, constantes, preocupações religiosas, metafísicas embeberem os meus livros. Os livros são como eu sou”.
Antes da pandemia da Covid-19, no projeto de remição de penas pela leitura, criado em 2012, pelo Ministério da Justiça, eram cinco livros os mais lidos do ano nos presídios federais. Nenhum deles, de autoajuda. O campeão era “Crime e Castigo”, de Dostoievski, seguido de “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo, “Sagarana”e”Grande Sertão: Veredas”, ambos de Guimarães Rosa e “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Pela portaria em vigor, a cada livro lido subtraem-se quatro dias da pena.
Durante a pandemia, “Crime e Castigo” perdeu o posto de líder absoluto de mais lidos entre presos mais violentos. Foi substituído pelo best-seller “A Cabana”, do canadense William P. Young, que trata do sofrimento de um homem que tem a filha de cinco anos brutalmente assassinada e, após o crime, começa um debate sobre a fé e a origem da dor que o acomete.
No conto de Guimarães Rosa, Augusto Matraga é um fazendeiro poderoso e violento, “duro, doido e sem detença, como um bicho grande do mato”, rude como as terras remotas de Minas. Por temperamento, desprezo e ganância, perde tudo; dinheiro, posses e mais. Traído pela mulher, Dionóra, ao tentar recuperá-la e vingar sua honra, Matraga é emboscado e espancado por seus inimigos, os capangas do Major Consilva. Atirado de um despenhadeiro num abismo, é dado como morto. Salvo pela bondade de um casal humilde, em busca do perdão para seus pecados e de um lugar no Céu, apega-se à religiosidade. Aparentemente resignado, Augusto conhece então o jagunço Joãozinho Bem-Bem, “o arranca-toco, o treme-terra, o come-brasa, o pega-à-unha, o fecha-treta, o tira-prosa, o parte-ferro, o rompe-racha, o rompe-e-arrasa”, que desperta seus instintos mais primitivos. Matraga oscila entre a crença, a esperança – que não consegue abandonar – e a violência de sua natureza.
Para o presidente da Fundação Clóvis Salgado, Sérgio Rodrigo Reis, “‘Matraga’ é um espetáculo ousado, contemporâneo, com características operísticas e sob inspiração de uma dramaturgia tipicamente mineira. Escolhemos o que em Minas é mais universal: a genialidade de João Guimarães Rosa”.
A abordagem de Rufo Herrera traz João Guimarães Rosa para dentro da obra que, como narrador, caminha pelo sertão. “Minha opção pelo conto ‘A Hora e a Vez de Augusto Matraga’ para uma obra cênico-musical, devo-a, à sua força poética e sua filosófica revelação do ser humano em profundidade. O homem lá, onde João Guimarães Rosa o foi buscar – O Sertão das Gerais – oscila permanentemente entre o bem e o mal. Ora se apruma, ora cai ao nível da fera, ora paira acima de Deus e do diabo”.
O sertão de João Guimarães Rosa, de Minas Gerais, não é o sertão de Jorge Amado, Glauber Rocha e da Bahia. Não é o Velho Oeste de Clint Eastwood e dos Estados Unidos. É a terra de coronéis, cangaceiros, sertanejos, justiceiros e pistoleiros, no dilema entre o livre-arbítrio e o determinismo com suas consequências, ainda mais violentas e injustas. Nhô Augusto se redime da violência não por arrependimento, mas pelo desespero da eternidade.
Para a diretora, Rita Clemente, “‘Matraga’ é ópera em seu sentido mais arquetípico e menos corriqueiro. Temos aqui um modo muito especial de fazer uma ópera. O que oferecemos aqui não é uma nova maneira, é um diferente modo, onde teatralidade e musicalidade estão intimamente ligadas. ‘Matraga’ comemora a mineiridade”. Para tanto, sob o libreto e paralelo a ele, Clemente cria uma segunda dramaturgia que remete às viagens de Rosa pelo sertão. Nesta ópera tão especial, a própria cena instaura musicalidade, assim como a música de Rufo que se propõe a ser cênica.
Narrado em terceira pessoa, o conto enfatiza duas constantes no sertão: a violência e a crença. E uma inconstante, a redenção do crime, com castigo, penitência, perdão e destino, através do catolicismo popular: “reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa mais a passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria… Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua”.
“E tudo foi bem assim, porque tinha de ser, já que assim foi”. “Matraga” é onde os fracos não têm vez e mesmo os fortes têm hora e vez.
“Matraga”, da obra de João Guimarães Rosa| Ópera em três atos, de Rufo Herrera
Datas e horários: 17/5 (sábado), às 19h, 18/5 (domingo), às 18h, e 19/5 (segunda-feira) e 20/5 (terça-feira), às 20h
Local: Grande Teatro Cemig Palácio das Artes
(Av. Afonso Pena, 1537, Centro, Belo Horizonte)
Ingressos: R$60,00 a inteira e R$30,00 a meia-entrada
Classificação Indicativa: 10 anos
Informações para o público: (31) 3236-7400
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