Teatro Diadokai reestreia em BH a montagem “O amor possível” – 23/05

Encenações e oficinas serão realizadas em centros culturais e instituições de longa permanência para idosos, aproximando outros públicos do teatro; primeira apresentação acontece no Centro Cultural Jardim Guanabara, no dia 23/5

A busca pela vida simples, a perplexidade diante da desvalorização do trabalho manual milenar com a cerâmica e a descoberta do amor, no auge da terceira idade, em uma jornada corajosa rumo ao desconhecido. É a partir da história do oleiro Cipriano Algor, em um recorte da obra do escritor português José Saramago, que o Teatro Diadokai, formado por Priscilla Duarte e Ricardo Gomes, reestreia em Belo Horizonte a mais recente montagem do grupo, “O amor possível”.

Serão diversas apresentações gratuitas, com interpretação em LIBRAS, em centros culturais da periferia da capital e em instituições de longa permanência para idosos, com o principal objetivo de ampliar o acesso ao teatro para mais públicos. A estreia do projeto acontece no Centro Cultural Jardim Guanabara, na Zona Norte de Belo Horizonte, no dia 23/5 (sexta-feira), às 19h30. As demais datas serão divulgadas em breve, pela página do Teatro Diadokai no Instagram.

A circulação do Diadokai é viabilizada pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte e dá continuidade à difusão iniciada em 2024, quando “O amor possível” estreou em Minas Gerais, e o grupo realizou também oficinas e bate-papos, em parceria com grupos de mulheres ceramistas na comunidade quilombola de Olaria, em Cônego Marinho, e nas cidades de Januária, Pedro Leopoldo e Lagoa Santa. A intenção foi levar o espetáculo a pessoas que têm pouco ou nenhum contato com o teatro e marcar a importância da cerâmica como arte milenar em Minas. O espetáculo também já esteve em curta temporada no Galpão Cine Horto, em Belo Horizonte.

“Para este novo projeto, é importante levar o espetáculo ao público periférico de Belo Horizonte, em regiões pouco atendidas pela circulação de bens culturais. Além disso, atingir o público idoso, apresentando o espetáculo nos locais onde essas pessoas moram, significa não apenas levar a elas a possibilidade de fruição de um espetáculo teatral, mas de tocá-las com a história de um personagem que, aos 64 anos, encontra o amor com uma vizinha, a amizade com um cachorro e reinventa a si mesmo”, justifica a atriz Priscilla Duarte.

Romance

A peça é inspirada no romance “A caverna” (2000), de José Saramago, único autor da língua portuguesa a receber um Prêmio Nobel na história, até o momento. Em formato de solo, Priscilla Duarte encarna o oleiro e viúvo Cipriano Algor e todos os demais personagens, além de fazer o papel de narradora da história de um homem que, de repente, se vê diante de uma drástica mudança socioeconômica e cultural: o desprestígio do barro, matéria prima de uma vida inteira, subitamente trocado pela tecnicidade do plástico.

Inicia-se, a partir de uma reflexão sobre utilidades, obsolescências e radicalizações impostas em nome do falso progresso, a saga de Cipriano para reinventar-se como ser humano, em busca de um lugar possível no mundo. Neste percurso áspero, ele encontra o amor, na companhia da vizinha, a também viúva Isaura Madruga, e desenvolve uma relação de lealdade e amizade com o cão Achado. Esse pano de fundo, simultaneamente singelo e profundo, resgata as bases das relações afetivas, e mantém atualizada a crítica social tão legítima sobre a modernidade presente na escrita de Saramago.

“O espetáculo propõe vários desafios à nossa atenção, cada vez mais dispersa, bombardeada por tantos estímulos sonoros e visuais. Estamos constantemente rolando imagens no celular, ouvindo música, podcasts, notícias, etc. Como diz Saramago, a contemporaneidade nos aprisiona a todos, como se estivéssemos na caverna de Platão. O espetáculo oferece uma possibilidade para que os espectadores possam dar um passo atrás, desacelerar o ritmo da contemporaneidade, abrindo espaço para identificar-se com esses personagens que poderiam ser qualquer um de nós”, contextualiza Priscilla.

Adaptação

Ao longo de mais de dez anos, “O amor possível” vem sendo concebido por Priscilla Duarte, após um intenso mergulho na obra de Saramago. Sob a supervisão do dramaturgo francês François Kahn e, por fim, como parte da tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por Priscilla, em 2019, a peça foi apresentada em versões piloto e ensaios abertos na Itália, nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, e teve sua estreia nacional em Brasília. Durante o confinamento da pandemia da covid-19, o diretor e parceiro Ricardo Gomes passou a contribuir com Priscilla na direção do espetáculo, ao acompanhar o processo criativo da companheira em casa.

“Ricardo diz que eu sou a ‘mãe’ do espetáculo e que ele se sente mais como ‘um parteiro’ do que um ‘pai’ neste projeto. Não importa a metáfora que usemos para dar nome à sua participação. Uma coisa é certa: a contribuição preciosa de Ricardo, seu olhar sobre os detalhes da composição dos personagens e da encenação como um todo, foi fundamental para chegar onde chegamos”, justifica Priscilla.

Em sua proposta lapidada, “O amor possível” assume um formato intencionalmente minimalista, no qual há pouquíssimos objetos em cena, incluindo uma mesa, poucos instrumentos de trabalho de uma olaria e, claro, o barro – matéria prima do personagem principal e núcleo para o debate sobre os atravessamentos entre tradição, valores basilares e modernidade. Além disso, Priscilla Duarte interpreta todos os personagens do monólogo utilizando o mesmo figurino: um avental comumente usado pelos ceramistas ou oleiros durante suas confecções.

“O uso de poucos elementos em cena cria espaços vazios, permitindo que o espectador projete a sua própria subjetividade nesses espaços. Assim, a presença de poucos elementos em cena valoriza cada um deles. Nada está ali por acaso. Nada é decorativo. Tudo tem seu momento e sua função. O que permite aos espectadores acompanharem a sutileza desses detalhes é a proximidade entre a plateia e o espaço cênico. Isso cria uma cumplicidade, uma relação intimista entre cada espectador e a atriz.”, avalia Priscilla.

Por vezes dedicado a interpretações distópicas da realidade, Saramago tem nos dilemas mais profundos da condição humana outra marca inconfundível de sua literatura. Seu pensamento sobre o amor está presente no espetáculo “O amor possível”. “Saramago diz que, nos seus romances, o amor não está estragado, não precisa chegar a situações extremas, como acontece em certos romances contemporâneos e no cinema. Ele prefere falar dos amores possíveis, de pessoas comuns. O título do espetáculo se refere exatamente a isso”, completa Priscilla.

Oficinas

Além das apresentações de “O amor possível”, o projeto vai oferecer oficinas de introdução às artes cênicas para idosos, com a intenção de propiciar ao público protagonista do espetáculo um contato direto com o teatro.As aulas gratuitas serão realizadas no mês de junho, com local, horários e informações sobre inscrições a serem divulgadas pelas redes sociais do Teatro Diadokai. “As oficinas teatrais serão dedicadas ao público idoso e pretendem permitir uma vivência da linguagem teatral, a partir da experiência de vida das pessoas, de suas memórias. Vamos utilizar dinâmicas que estimulem a imaginação para dar corpo e voz às imagens e associações mentais, para tornar visível aquilo que é invisível”, explica Priscilla.

Teatro Diadokai

Fundado em 1996 por Priscilla Duarte e Ricardo Gomes na cidade do Rio de Janeiro e prestes a celebrar 30 anos de história, o Teatro Diadokai carrega em seu nome uma inspiração na língua grega. Diadokai, plural do grego “diadokhé”, significa “passar para a mão do outro”. O nome reflete a filosofia do grupo, que tem um trabalho teatral influenciado pelas possibilidades de trocas transculturais entre Ocidente e Oriente.

Com a marca de não manter uma sede física durante as mais de três décadas de trabalho, o grupo vem dividindo suas atividades entre Ouro Preto, na região Central de Minas, e Belo Horizonte, além de atuar em outros países. Ao longo dos anos, os estudos teóricos e práticos sobre o teatro-dança clássico indiano — especialmente os estilos Orissi e Kathakali, principais referências do início da trajetória do grupo — conduziram o interesse do Diadokai a outra prática milenar indiana, o Yoga, que pauta as pesquisas atuais do grupo.

A formação do Diadokai começa em 1989, quando Priscilla e Ricardo, recém-formados em Artes Cênicas, partem para a Itália, onde iniciam sua jornada artística no Teatro Tascabile di Bergamo, grupo histórico do movimento de Teatro de Grupo italiano e referência mundial na pesquisa sobre as artes cênicas asiáticas, especialmente os teatros-dança clássicos indianos.

No exterior, eles foram influenciados por elementos das tradições cênicas Ocidental e Oriental, em contato direto com mestres como Renzo Vescovi, Jerzy Grotowski, Eugenio Barba, Krishnankutty Sadanan, John Kalamandalam e Aloka Panikar. Entre 1992 e 2007, com o Tascabile, e em seguida, com o Diadokai, Priscilla e Ricardo apresentaram-se em teatros, ruas, parques e praças de centenas de cidades da Europa, Ásia e das Américas. Os dois grupos mantém parcerias até hoje em diferentes projetos.

Na academia, Priscilla Duarte atuou como professora substituta nas áreas de Expressão Corporal e Expressão Vocal do Departamento de Artes Cênicas da UFOP (2011-2013, 2019-2021 e 2024-2025). Já Ricardo Gomes é professor associado no Departamento de Artes Cênicas da UFOP desde 2008, e fundador do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade, lançado em 2014 por essa instituição, atuando como pesquisador e coordenador do Arquivo da Memória Intercultural das Artes da Cena.

Teatro Diadokai – “O amor possível”, solo de Priscilla Duarte

Quando. 23/5/25 (sexta-feira), às 19h30

Onde. Centro Cultural Jardim Guanabara

(Rua João Álvares Cabral, 277, Jardim Guanabara, Belo Horizonte)

Quanto. Retirada de ingressos gratuitos na bilheteria uma hora antes

Mais. Teatro Diadokai no Instagram